A campanha das “diretas já” e a imprensa
Após anos de opressão e censura, vivendo numa economia em frangalhos, com altas taxas de desemprego e de inflação, o clamor popular exigia mudança. O elemento catalizador foi o grito pelas Diretas Já, ideia do então senador Teotônio Vilela, proposta pela Emenda Constitucional do deputado Dante de Oliveira.
A campanha foi apoiada por entidades da sociedade e passou a tomar conta dos noticiários, recebendo um destaque inicial do jornal Folha de São Paulo.
A Rede Globo praticamente ignorava o que se passava nas ruas, mostrando o quanto o jornalismo era controlado pelo governo. Com gritos nas ruas de “O povo não é bobo, fora Rede Globo”, a rede faz inicialmente uma cobertura do comício da Praça da Sé como uma divulgação do aniversário da cidade, mostrando eventos comemorativos ocorridos durante o dia e encerrando a reportagem tratando o comício como uma manifestação que reunia as pessoas para assistir shows e pedir por eleições diretas. Em seu depoimento para o site Memória Globo, o repórter Ernesto Paglia lembra que a imagem do comício foi feita através de uma enorme lente teleobjetiva, posicionada sobre um prédio, com uma distância segura, pois havia o temor da reação dos manifestantes.
A emissora finalmente cedeu às pressões populares e passou a dar o espaço merecido aos comícios no Jornal Nacional, com maior destaque para o da Candelária no Rio de Janeiro, mas a campanha não mudou a relação de forças do Congresso e a Emenda Dante de Oliveira não foi aprovada.
O posicionamento do jornal Folha de São Paulo apoiando a vontade popular desde o início da campanha, conduziu o veículo às grandes tiragens e forte influência. O crescimento da Folha provocou uma mudança no jornalismo impresso. A empresa buscou modernizações tecnológicas e melhorias no sistema de impressão e distribuição, com campanhas de marketing agressivas, articuladas com a adoção de um projeto editorial, o “Projeto Folha” que objetivou “fazer um jornalismo crítico, pluralista, apartidário e moderno”. Esse projeto editorial buscou dar maior racionalidade à produção noticiosa, aumentando a qualidade informativa do material produzido.
Preocupou-se também em expressar, de modo inédito, a “ideologia jornalística” do veículo.
O fim do ciclo autoritário: a vitória da oposição no Colégio Eleitoral
A intenção do presidente Figueiredo era de que seu sucessor fosse escolhido através de um consenso partidário, mas o ex-prefeito e ex-governador de São Paulo, Paulo Maluf, se impôs como candidato, provocando uma cisão do seu partido governista, o PDS. Assim, foi articulada uma dissidência chamada Frente Liberal que daria a vitória ao candidato preferido da oposição, Tancredo Neves, com o vice José Sarney, ex-presidente do PDS.
O Colégio Eleitoral deu a vitória à Aliança Liberal e a oposição finalmente chegava ao poder. No entanto, Tancredo Neves ficou doente e não tomou posse, substituído por Sarney, que assume sob um enorme sentimento de frustração e um espectro de falta de legitimidade. As notícias sobre a doença de Tancredo mobilizaram a população que acompanhava todos os boletins médicos. Em 21/04/1985, Tancredo morre causando grande comoção popular.
A redemocratização e as tendências do jornalismo no Brasil
O “choque econômico” foi a solução encontrada pelo governo para combater a inflação. Surge o Plano Cruzado estabelecendo o congelamento de preços e salários e a mudança da moeda, com o corte de três zeros. Com os preços tabelados, todos os cidadãos viraram “fiscais do Sarney”. O jornalismo foi importante, privilegiando os cadernos econômicos, para explicar os detalhes do plano, traduzindo os termos e explicando as mudanças no pagamento de aluguéis, crediários, salários e impostos. Gazeta Mercantil de São Paulo e o Jornal do Commercio do Rio de Janeiro tornam-se veículos prestigiados, mais tarde os Grupos Folha e O Globo formam uma aliança para lançar o jornal Valor Econômico.
O fracasso do Plano Cruzado não demorou. A poupança diminuiu e os produtos sumiram das prateleiras, disponíveis apenas com o pagamento de ágio.
O governo criou o empréstimo compulsório. Importações foram autorizadas numa tentativa de estabilizar os preços. Esse esforço durou até as eleições de 1986, garantindo a maioria absoluta dos representantes governistas na Câmara, no Senado e nos governos estaduais. Após o fechamento das urnas, o Plano Cruzado 2 é lançado, acabando com o congelamento e aumentando os impostos. A inflação perde o controle e o país decreta a moratória externa. O governo Sarney entra em declínio.
A Carta Constitucional é elaborada pela Assembleia Constituinte, com avanços dos direitos individuais e sociais, mas com vários pontos com necessidade de reforma, principalmente os referentes ao Estado.
Um acordo do presidente com os parlamentares garantiu um mandato de 5 anos, com farta distribuição de concessões de rádio e de retransmissoras de televisão para grupos políticos. Essa política foi reconhecida com o lema “é dando que se recebe”.
Denúncias de corrupção e críticas foram temas amplamente divulgados pela imprensa que soube aproveitar o desmantelamento dos órgãos ligados à repressão e o fim da censura.
A modernização da imprensa
A modernização da imprensa apresenta dois aspectos: o avanço tecnológico nos processos de produção dos jornais impressos e maior ênfase em questões de administração e marketing dos veículos, com o objetivo de aumentar a vendagem.
O mercado de trabalho se transforma e jornalistas passam a atuar em novos postos em ambientes de comunicação de grupos empresariais e sindicais, com oportunidades surgidas na TV por assinatura e Internet, além do direcionamento para as assessorias de imprensa.
Pesquisas de mercado com os leitores de jornal passaram a influenciar as estratégias de confecção de jornais, assim como as ações publicitárias, com campanhas de distribuição de prêmios e brindes a fim de conquistar leitores. Parte dessa estratégia foi a mudança do formato, com textos curtos e de linguagem acessível, concisa e didática, além da valorização do uso de tabelas e gráficos que sintetizam as informações. É notável também o uso de tipos e entrelinhas maiores, com mais fotos, maiores e coloridas, ocupando as páginas. Seções de moda, esportes, informática e outros temas passam a circular em encartes especiais, para públicos específicos, mas que fazem parte de segmentos visados pelo veículo.
Cresce o jornalismo de serviço e os jornais passam a dar mais atenção à participação do leitor, com o aumento de seção de cartas. Surge a figura do ombudsman, para atender os leitores e fazer a crítica do jornal sob o ponto de vista do consumidor.
Collor: ascensão e queda de um presidente
A eleição de 1989 e a mídia
As eleições presidenciais de 1989 foram marcadas pela construção midiática do ex-governador de Alagoas Fernando Collor de Mello. O país estava “integrado” pelos meios de comunicação, com destaque para a Rede Globo que operava com um “virtual monopólio” de audiência.
Buscando destaque através de duras críticas ao governo Sarney e com o título de “caçador de marajás”, Collor recebe destaque da imprensa nacional, sendo capa da Veja em março de 1988 e tema de um “Globo Repórter”, alavancando sua candidatura à presidência, através de partido próprio, o PRN.
Com uma imagem de candidato jovem e dinâmico, descomprometido com as oligarquias, disposto a combater os “marajás” e a “crise moral” do governo Sarney, a estratégia de marketing do candidato atende os anseios da população, gerando crescimento nas pesquisas e recebendo apoio de políticos, empresários e principalmente da imprensa que se posicionava contra as candidaturas de esquerda de Lula e Brizola.
A campanha foi decidida no segundo turno entre Collor e Lula, marcada por ataques pessoais ao líder do PT e a tentativa de associá-lo ao “atraso” dos regimes comunistas, com editoriais de O Globo, o Jornal do Brasil ou O Estado de São Paulo destacando criticamente as propostas de Lula.
Lula vai bem no primeiro debate e Collor baixa o nível da campanha, expondo Miriam Cordeiro, ex-namorada de Lula e mãe de sua filha, que acusava o petista de racista e de ter-lhe proposto aborto.
Quase na véspera da eleição, acontece o segundo debate. Collor teve ligeira vantagem sobre Lula, visivelmente nervoso com a campanha difamatória. Porém, a edição do debate intencionalmente favorável a Collor, transmitida no Jornal Nacional, marcou a ação mais decisiva da imprensa para favorecer seu candidato em toda a eleição e tornou-se uma das maiores máculas do jornalismo.
Mas esse não foi o último favorecimento da imprensa à campanha de Collor. Quando o cativeiro do empresário Abílio Diniz foi localizado um dia antes da eleição presidencial, “os sequestradores foram obrigados a vestir camisetas do PT, e assim fotografados pela imprensa” (LAGO e ROMANCINI. 2007, pg. 188). Muitos jornais e rádios relacionaram, direta ou indiretamente, o partido com o crime.
O governo Collor
Collor tomou posse assumindo compromissos com o livre-mercado, com ideias liberalizantes e propondo a modernização do país. Sua meta principal era o combate à inflação e foi anunciado o Plano Collor que representou a maior intervenção do Estado na economia do país. Suas medidas consistiam em:
· Congelamento de preços e salários
· Reintrodução do cruzeiro como moeda nacional
· Aumento de impostos e taxas
· Programas para a redução do Estado na economia
· Bloqueio por dezoito meses de saldos em conta corrente e cadernetas de poupança que excedessem 50 mil cruzeiros – a medida mais polêmica.
O anúncio oficial das medidas foi confuso. A imprensa esforçou-se para traduzir as mudanças na vida prática da população, incluindo participações em programas populares, sempre com a presença da ministra Zélia Cardoso de Mello.
Fiscais da receita e policiais federais fizeram uma diligência na sede do jornal Folha de São Paulo, para averiguar cobranças de faturas publicitárias. A Folha qualificou essa investigação como um caso de tentativa de intimidação. O jornal publica o editorial “A escalada fascista”, acusando o governo de iniciar uma “aventura totalitária”. Publica também uma matéria comparando Collor a Mussolini. O presidente em exercício, pela primeira vez na história, processava um jornal, oficialmente por outro motivo.
As denúncias da imprensa, a CPI e o impeachment
Após o fracasso do primeiro, o governo lança o Plano Collor 2, congelando novamente preços e salários, aumentando as tarifas públicas e tentando desindexar a economia, mas dessa vez sem o apoio da população e da imprensa. Os efeitos da recessão na economia provocados pelo novo plano ganham cada vez mais cobertura, com intensificação de denúncias de corrupção e irregularidades administrativas.
A política econômica de Collor priorizava a liberalização do mercado nacional, a retirada do Estado das atividades econômicas e o combate intransigente à inflação, mesmo à custa de recessão, do desemprego e da diminuição dos gastos sociais.
A recessão foi inevitável e a inflação retornou apenas dois meses depois do início do plano. A popularidade do governo caía à medida que a economia afundava, dificultando a obtenção de apoio do Congresso.
Pedro Collor, irmão mais novo do presidente, dá uma entrevista à Veja e a outros órgãos de imprensa afirmando que o presidente era sustentado por Paulo César Farias, que praticava ações ilícitas com o consentimento de Collor. Foi publicado um dossiê com o esquema PC Farias.
Afastado do comando das empresas da família, Pedro Collor decide aprofundar suas denúncias, escolhendo a revista Veja para uma bombástica entrevista. Uma CPI no Congresso é instaurada para apurar as denúncias, mas em seu depoimento Pedro Collor recua em parte das acusações para poupar o irmão. O grupo Globo noticiava o caso, sem emitir uma opinião.
A edição da revista IstoÉ, do dia 28 de junho, apresentou uma testemunha, o motorista Eriberto França, mostrando efetivas relações entre PC e o presidente, com a revelação de que as contas da residência e as despesas da primeira-dama eram pagas por PC Farias.
No dia 29 o presidente pediu 48 horas para explicar-se. Eriberto depôs na CPI e os jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo publicaram editoriais exigindo a renúncia.
Outras explicações oficiais foram dadas, mas foram logo desmentidas. Em 1º de setembro, uma caricatura de Collor representado como um rato, feita por Chico Caruso é publicada em O Globo.
A maioria da população saiu às ruas, vestindo preto, criticando a corrupção do governo. A Rede Globo transmitia a minissérie “Anos Rebeldes”, mostrando a luta dos jovens contra a ditadura militar e involuntariamente a emissora estimulou a nova geração que foi às ruas, com os estudantes “caras pintadas” gritando “Fora Collor”.
A CPI comprova o envolvimento de Collor com o “esquema PC”, tornando o presidente passível de indiciamento criminal. O pedido de afastamento de Collor é entregue na Câmara dos Deputados.
Collor transmite um discurso em rede nacional, afirmando que não iria renunciar e tenta, sem êxito, convencer a população sobre a improcedência das acusações.
A grande imprensa, sem exceção, colocou-se favorável ao impeachment e pressiona por uma votação aberta, ratificada pelo Supremo Tribunal Federal, derrubando qualquer chance do presidente fazer alianças para manter-se no cargo. Os deputados, numa decisão inédita na América Latina, autorizaram a abertura do processo de impeachment contra Collor. A população comemora o resultado nas ruas.
Bibliografia
LAGO, Cláudia e ROMANCINI, Richard. História do Jornalismo no Brasil. Florianópolis. Editora Insular, 2007.
Site Memória Globo - http://memoriaglobo.globo.com/ - acessado em 02/11/2011.
Folha 80 anos - http://www1.folha.uol.com.br/folha/80anos/choque_editorial.shtml - acessado em 02/11/2011.
Fonte das Imagens
Figura 1 - http://fexart.blogspot.com/2010/08/henfil-cartunista.html
Figura 2 - http://veja.abril.com.br/30anos/p_056.html
Figura 3 - http://www.flogao.com.br/fernandophoto/104457927
Figura 4 - http://www.jblog.com.br/hojenahistoria.php?itemid=26544
Figura 5 - http://carloshermes.blogspot.com/2010/02/desgraca-anunciadasarney-presidente-da.html
Figura 6 - http://edisonjr.blogspot.com/2009/06/eu-sou-fiscal-do-sarney.html
Figura 7 - http://colnect.com/en/banknotes/banknote/1756-50_Cruzados_Novos-1989_ND_Issue-Brazil
Figura 8 - http://mundodasmarcas.blogspot.com/2006/06/folha-no-d-pra-no-ler.html
Figura 9 - http://esquerdopata.blogspot.com/2010/05/novo-dicionario-da-imprensa-brasileira.html
Figura 10 - Ana Carolina Fernandes – Agestado - http://noticias.r7.com/economia/fotos/plano-collor-completa-20-anos-20100315-18.html#fotos
Figura 11 - Wilson Pedrosa - http://noticias.r7.com/economia/fotos/plano-collor-completa-20-anos-20100315-3.html
Figura 12 - Chico Caruso - http://veja.abril.com.br/200705/p_070.html
Figura 13 - http://mourafil.blogspot.com/2010/09/mudou-veja-ou-mudaram-esquerda-e-o-pt.html
Figura 14 - http://www.terra.com.br/istoe-temp/edicoes/1985/artigo66216-1.htm
Figura 15 - Branca Nunes - http://veja.abril.com.br/blog/caca-ao-voto/
Figura 16 - http://emersonlinhares.zip.net/arch2007-03-18_2007-03-24.html
Grupo
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